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A Relação Humano-Máquina na Aprendizagem

Esta relação começou desde a tecnologia primordial com que o ser humano conquistou o planeta pela primeira vez. Começou com a lança afiada usada para caçar que se tornou uma extensão do braço de quem a usava [1]. Ainda hoje, quando andamos de bicicleta o processo é semelhante, com alguma prática a bicicleta torna-se parte de nós, e querer mover torna-se numa questão de querer apenas mover o seu próprio corpo que o resto seguirá. Durante milénios, a empatia entre pessoas era o que permitia, apesar de tudo, com que as sociedades funcionassem marginalmente bem. No entanto, de agora em diante, vai ser essencial desenvolver um novo tipo de empatia, uma empatia com as máquinas. Na relação humano-máquina, vamos ter de nos pôr “na pele” das máquinas e entender como elas processam a informação para podermos extrair o máximo de utilidade possível dessa relação.

A internet

As únicas maneiras que existiam para aprender mais do que o que a escola ensinava, era indo a uma biblioteca e pegando num livro (ou pedindo recomendações a alguém que soubesse) sobre o tema que queria aprender ou falar directamente com um especialista da área.

Todo este processo mudou imenso nos últimos dez anos com a ajuda do acesso em larga escala à Internet. A partilha de informação dá-se a um ritmo sem precedentes na História. Segundo os dados de Junho de 2019, 57% da população mundial tem acesso à Web, número que mais que duplicou desde os 24.7% de 2009 [1]. Desde a passagem do milénio aos dias de hoje, só no continente africano, o número de pessoas ligadas aumentou 12 vezes! A taxa com que novos conteúdos são criados tem sido também fundamental para a forte taxa de adesão. Quanto maior a quantidade de informação disponível mais vontade existe de a aceder. Cursos, livros, artigos, vídeos, enciclopédias – motores de pesquisa inteligentes em que lhe sugerem e relacionam conceitos que poderão ser do seu interesse – coisas que livros em papel não podem (ainda) fazer. Com esta panóplia de opções disponível, é só escolher o formato que melhor se adequa à sua forma de aprender, e isso é muito importante.

Com a centralização do conhecimento, permitindo aceder a todas estas plataformas e informações através de um qualquer dispositivo com acesso à internet, o potencial de aprender o que quer que seja está agora disponível, virtualmente a todos. Quer referências sobre que livros deve ir buscar à biblioteca? Na web consegue encontrar alguém que lhe dirá com que livros deverá começar a ler. Se está interessado num tópico, mas não tem a certeza se quer prosseguir o seu estudo, pode conseguir uma visão geral sobre o que consiste através da Wikipédia, por exemplo. Se mesmo assim, o artigo na Wikipédia for demasiado detalhado e o enfada ter que ler tudo, pode ainda conseguir uma visão mais simples e aprender através de um vídeo em plataformas como o YouTube.

Photo by Domenico Loia on Unsplash

Se tem interesse em aprender a programar, por exemplo, nunca existiu tanto material e cursos online gratuitamente como agora. Uma rápida busca leva-o a milhares de tutoriais sobre praticamente tudo o que possa querer fazer, tão detalhados quanto queira. Se quiser ser empreendedor e abrir o seu próprio negócio, desenvolver uma marca, um produto, existe muita informação de pessoas que fizeram o mesmo e lhe explicam como o pode fazer. Querer escalar o Everest talvez seja mais fácil nos dias de hoje com acesso ao acumular de experiências das pessoas que o fizeram, disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana. Este é o início da relação humano máquina que se está a massificar pela população.

Assim é o mundo de hoje. O mundo conectado dos nossos dias ajuda-o a trabalhar no seu potencial e a desenvolver as suas capacidades – bastando que o queira fazer. Sem todo este acesso imediato à informação, todo o meu percurso universitário teria sido bem mais trabalhoso e demorado. Era impossível ter conseguido fazer a minha tese de mestrado – bem como os meus colegas em apenas seis meses. O tempo que teria de despender a procurar manualmente todos os artigos e bibliografia que me ajudaram a concluir o meu trabalho seriam logo os seis meses disponíveis actualmente para a dissertação. No entanto, para usufruir completamente de todas estas ferramentas, necessita de uma boa dose de curiosidade. O querer saber. O querer aprender. A frustração por não saber algo e querer fazer algo contra essa ignorância. Para alguém assim, com essa vontade e querer, são tempos fantásticos, os que vivemos.

As máquinas

Todos os avanços técnicos e sofisticações das máquinas da actualidade, tornam inadiável delegar às máquinas aquilo que se pode e libertar os humanos para aquilo que fazem de melhor. Potenciar a intuição e a criatividade humana enquanto tarefas mais rotineiras e que se podem codificar num problema computacional sejam feitas por um computador, que é aquilo que fazem de melhor.

Garry Kasparov, lenda do xadrez mundial, que ficou mundialmente conhecido por ter derrotado o super-computador da IBM, Deep Blue, perdendo logo de seguida no ano de 1997. Este foi apelidado por muitos como o “combate” intelectual do século. Esta experiência com computadores deu-lhe uma visão sobre as potencialidades da interacção humano-máquina. Desde aí, Kasparov ambicionou conseguir juntar o melhor dos dois mundos, “a intuição humana com os cálculos da máquina, estratégia humana com a táctica da máquina, a experiência humana com a memória da máquina”. Esta seria uma combinação que poderia desbravar um potencial nunca visto e potenciar tanto ser-humano quanto computador.

Photo by Bill Oxford on Unsplash

Brevemente após esta sua mediática derrota, Kasparov começou a promover competições de xadrez que combinassem jogadores humanos ajudados por computadores, quaisquer que fossem as capacidades de cada. A ideia era fazer surgir sinergias entre estes dois agentes. No primeiro Free-Style Chess Tournament no ano 2005, em que a premissa era essa mesma, jogadores humanos ajudados por computadores, tão sofisticados quanto quisessem. Os resultados foram surpreendentes. Kasparov conta que não foram os Grão-Mestres que ganharam, nem os super-computadores, foram jogadores amadores equipados por uns quantos computadores pessoais [2]. Isto revelou que, no final, o que conta é a qualidade do processo e da interface entre os dois, não necessariamente a qualidade das partes individualmente.

Na matemática, a abordagem deveria ser semelhante. O ser humano ocupado com a resolução do conceito geral do problema – modela e codifica o problema matematicamente e a máquina resolve as equações e/ou os cálculos que surgirem. Praticamente qualquer calculadora gráfica dos dias de hoje é capaz de resolver equações sem grande esforço. Se as máquinas são capazes de executar algoritmos muito mais rapidamente do que os humanos e sem erros, porque não tiramos partido disso?


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Na realidade, o que investigadores, engenheiros, economistas, financeiros, químicos, biólogos fazem na prática é isso mesmo.  Estes profissionais dão à máquina os dados, a estrutura do problema e mediante isso escolhem o algoritmo (ou programam-no caso não esteja já feito) adequado para obter uma solução. Essa pessoa apenas confirma com a sua intuição e experiência se o resultado faz sentido no contexto do problema, para prevenir erros de modelação e mitigar os efeitos de dados com demasiado ruído.

Os humanos

Com estas novas interfaces, as crianças estariam muito mais empenhadas na sua aprendizagem, em compreender o problema que lhes era pedido, libertando a sua concentração de tarefas triviais, como ter de somar ou multiplicar pelos respectivos algoritmos. O que se tem descoberto [3], é que quem aprende matemática começa a vê-la como uma disciplina com umas quantas receitas que têm de ser memorizadas e que não entendem muito bem como os conceitos encaixam uns nos outros. Apesar de quem ensina esperar que estes entendam os símbolos e as ligações entre as diferentes regras e procedimentos utilizados e que apliquem isso noutros problemas.

Assim, deveria haver uma preocupação sim com a maneira como os estudantes estão a entender estas noções na matemática e não com a sua capacidade de memorizarem algoritmos. Isso passa por ensinar os alunos a utilizarem eficientemente as ferramentas disponíveis, o quanto antes, desde a simples calculadora a talvez ensinar a programar os seus próprios programas para depois resolverem o problema que o professor lhes coloca.
Estes aspectos iriam criar alunos muito mais entusiasmados e resultaria num ritmo de aprendizagem muito maior do que simplesmente aumentar a quantidade de matéria e diminuir o tempo disponível para a dar.

É fundamental desenvolverem-se as interfaces e potenciar a relação humano-máquina. Mais do que tudo, precisamos de pessoas que estejam concentradas a ver o todo, que sejam criativas, que diversifiquem capacidades. Para isso resultar tem de existir uma fácil interface entre nós e as máquinas para que todos sejamos capazes de lhes delegar as tarefas rotineiras que estamos fartos de fazer.

Atentamente,
André.

Referências:
[1] Robert Green, (2012). Mastery
[2] https://www.internetworldstats.com/stats.htm
[3] https://en.chessbase.com/post/dark-horse-zacks-wins-freestyle-che-tournament
[4] Richland, Lindsey & Begolli, Kreshnik & Näslund-Hadley, Emma. (2017). Current Theories of Children’s Mathematical Development.

Revisto por: Martim
Foto destaque: Photo by Malte Wingen on Unsplash