Os 2 pilares fundamentais do ensino
Se quer aprender qualquer tópico a um nível profundo, sem abdicar de enormes quantidades do seu tempo, é fundamental conhecer estes dois pilares do ensino. Conhecê-los vai permitir que aprenda tudo de uma forma mais sólida, sem se perder nos detalhes.
Aprender de uma forma profunda facilita o processo de relacionar conceitos de áreas completamente distintas, o que se revela em muitos casos, o motor para a criatividade [1]
Por exemplo, podemos pensar na seleção natural e transformá-la em seleção artificial no contexto das ciências da computação. Um exemplo disso, a classe dos algoritmos genéticos. Nesta classe, desenvolvem-se modelos baseados na “reprodução” das espécies de modelos mais aptas. A cada iteração, o modelo vai ficando mais adaptado à realidade, aprendendo sem intervenção humana. O mundo está cheio de analogias que atravessam áreas, por vezes, diametralmente opostas. Em grande parte, a inovação surge do unir destas pontas soltas.
Esta é a nossa visão no Gradiente. Dar aos nossos alunos as ferramentas fundamentais para se ser bem-sucedido em qualquer área. Quem não gostaria de aprender apenas o fundamental? Ou saber as bases que não se limitam a uma área especifica, que se focam nos pontos em comum com as grandes teorias no pensamento humano? É nesse sentido que introduzimos os nossos dois pilares do conhecimento. O Pensamento Matemático e o Pensamento Crítico. Estes não são completamente dissociados um do outro. Complementam-se e suportam-se mutuamente, constituindo os fundamentos para se tomarem boas decisões e inovar em praticamente todas as áreas do conhecimento humano.
Pensamento Matemático.
Com o Pensamento Matemático na nossa caixa de ferramentas, conseguimos percorrer um trajeto lógico, inferindo e concluindo através de outras inferências e conclusões. Mais do que construir os seus próprios argumentos sem falhas, é importante detetar falhas nos argumentos dos outros. Nestes tempos modernos da primazia da informação, saber criticá-la e analisá-la é uma enorme vantagem.
Além do aspeto mais técnico da matemática, existe nela também o aspeto criativo. Foi sobretudo durante uma forte exploração de teorias matemáticas fora do comum que comecei a ver este lado criativo. Um lado que, tal como um pintor, pincela as suas cores – os teoremas – na sua tela – as definições e dá lugar a uma obra prima – uma teoria. A ideia comum é a de que matemática é uma estrutura rígida cheia de regras e fórmulas que são necessárias decorar. Depois de se estabelecerem as definições e axiomas, é verdade. Existe essa rigidez e é essa a sua principal natureza. Tudo o que é derivado dessas definições e desses axiomas tem de ser logicamente verdadeiro – se quiser uma teoria consistente [2], claro. No entanto, para estabelecer essas definições e saber qual o caminho a seguir com as suas demonstrações é necessário puxar por esse lado criativo.
O método para estruturar um problema matemático para o resolver é idêntico ao de qualquer outro problema. As ferramentas disponíveis é que podem ser ligeiramente diferentes. Aprender envolve, em grande parte, adquirir novas ferramentas que permitam conseguir responder a novas questões. Na maioria das vezes, as questões mais interessantes são aquelas que ainda não foram feitas. Em Matemática, é ideia recorrente que o grande passo, provavelmente o mais difícil, é conseguir fazer a pergunta correta. Saber exatamente onde se quer chegar. Dada uma pergunta completamente articulada, o mais fácil é dar os passos restantes para a responder.
Com os meus alunos, tento desligá-los o mais possível da ideia de que a matemática é decorar fórmulas, receitas e procedimentos. Saber pensar a um nível profundo sobre a matemática é saber ver a floresta e não as árvores. É preciso ver as engrenagens internas à resolução de problemas que se espelham sobre inúmeras outras áreas. Num artigo anterior, expliquei como se deve entender um problema antes de o começar a resolver – aos meus alunos ensino as restantes técnicas que o permitem resolver totalmente.
Conseguirá levar uma argumentação por diante e inferir conclusões através de outras conclusões, puramente através da lógica. Estruturar um problema, de modo independente do domínio de onde surge, é o primeiro passo para o conseguir resolver. Conhecer as técnicas de análise e de inferência do pensamento matemático, torna a resolução de problemas num processo sistemático, que se traduz em menos tempo de incerteza.
Pensamento Crítico
Pela definição informal usada no livro Critical Thinking de Tom Chatfield, o pensamento crítico é uma busca ativa para entender o que se passa à nossa volta usando a razão, avaliando as evidências e pensando cuidadosamente sobre o processo do próprio pensar.
Intimamente ligado à filosofia, o pensamento crítico é o nosso segundo pilar para um pensamento sistemático e robusto. Em medicina, más decisões custam vidas. Decidir a terapêutica correta, saber interpretar criticamente os resultados de exames e análises, são atividades que requerem uma visão clara e ponderada sobre a situação. Ter uma visão clara é minimizar os efeitos de vieses cognitivos.
Ainda assim, mesmo com um bom arsenal de ferramentas, o primeiro passo é sempre abrandar. Quanto mais caótica for a situação, mais importante se torna baixar o ritmo. Para Thomas Carlyle, intelectual Escocês do século XIX, “o raciocínio não funciona exceto em silêncio”. Muitas das más decisões são consequência de um olhar sem critério e apressado para a informação que surge. Quando lhe apresentam uma justificação para uma tomada de decisão ou posição, deve parar e identificar a estrutura base do argumento. Repare se não existem argumentos sem premissas e conclusões que derivem destas. Por isso, deve procurar os argumentos individuais e as suas conclusões intermédias. Com o treino, vai conseguir filtrar o floreado natural das frases com cada vez maior facilidade e ver os argumentos mais objetivamente, o mais próximo possível de como eles realmente são.
Desde que tomei uma maior consciência destes conceitos e decidi melhorar a minha capacidade de decisão, que percorro uma espécie de checklist mental de procedimentos para criticar a informação que tenho à frente. Em muitas situações não é prático ter de percorrer uma lista exaustiva de pontos antes de decidir. No entanto, se se tornar um hábito, começará a fazer isto intuitivamente, quase sem dar por isso. Existem procedimentos mais relevantes do que outros, dependendo se tem mais ou menos incerteza na informação ou no contexto. Aí só a sua experiência, ou alguém na sua equipa que a tenha, poderá guiar quais são os mais benéficos aplicar e em que situações.
No Gradiente, ensinamos a aplicar estes procedimentos com as prioridades adequadas e os casos típicos em que os devemos aplicar. Além de saber o que se tem de fazer, é preciso saber em que contexto o pode fazer. Essa é a visão que transmitimos aos nossos alunos, incorporando estes conceitos nos tópicos que abordam na escola ou na universidade.
Para ilustrar um problema onde a nossa intuição muitas das vezes falha, siga este conhecido exemplo:
“A Linda tem 31 anos, solteira, é brilhante e diz o que pensa. Na faculdade, tirou Filosofia. Enquanto estudante, estava preocupada com problemas de discriminação e de justiça social, participando também em protestos antinucleares.”
Qual é mais provável?
A) A Linda é empregada num balcão de um banco.
B) A Linda é empregada num balcão de um banco e é ativa no movimento feminista.
Se pensou como a maioria das pessoas que participou neste estudo, pensou na segunda opção. Este é um dos típicos enviesamentos que nos impede de decidir eficazmente a diversos níveis na nossa vida. Considere o conjunto “Bancária” que representa as possíveis realidades onde a Linda é empregada num banco. Por outro lado, existe o conjunto “Feminista”, onde a Linda é ativa no movimento feminista.

A primeira resposta representa exactamente o conjunto “Bancária”. A segunda resposta consiste na combinação de “Bancária” com “Feminista”. Como é uma intersecção, é um conjunto que está sempre contido em cada um dos conjuntos intersectados e, em particular, aquele em que é bancária. Logo, o cenário mais provável é sempre o da primeira resposta, que é um conjunto com mais cenários possíveis, tornando-se o mais provável de acontecer. Este raciocínio assenta numa das mais fantásticas ferramentas da matemática: a Teoria de Conjuntos [3]. Confira com o diagrama abaixo.

Quando se junta o pensamento crítico à Matemática, é quando as coisas começam a tornar-se (ainda mais) interessantes. Quando se conseguem usar estas ferramentas consistentemente, conseguirá tornar-se rapidamente expert em qualquer área em que trabalhe. Outra ideia que combina estes dois pilares é a estatística. Com dados e alguns termos da estatísticas é bastante fácil conseguir manipular conclusões, como expliquei num artigo anterior. É possível fazer com que os dados mostrem o que se pretende. Depois, basta atribuir a conclusão que já se suspeitava como título do estudo, ou não transmitir o contexto completo do tópico, e temos conclusões suportadas em informação que não decorrem diretamente dos dados obtidos.
Um dos modelos mentais mais poderosos é a chamada “Lâmina de Occam”. Esta ideia estabelece que, normalmente, entre duas teorias, aquela que recorre a menos hipóteses para a suportar é aquela com mais probabilidade de estar certo. Por exemplo: admitir que os egípcios aprenderam a transportar materiais pesados pela necessidade de construção de gigantes pirâmides. Ou então, a teoria de que foram aliens vindos de outro sistema solar distante, onde até hoje nunca se detetou sinais de vida inteligente, que calharam aterrar exatamente nas margens do Nilo, que conseguiram arranjar maneira de comunicar com as pessoas, que as pessoas estariam sequer dispostas a ouvir (nada assustadas, claro). Os egípcios construíam agora as pirâmides com as técnicas inovadoras dos aliens, que se resumia em arrastar blocos sobre traves de madeira e gruas à base da força de escravos – isto vindo do povo que tinha arranjado um método super-eficiente de viajar através de sistemas solares a dezenas de anos-luz. Qual parece mais simples?
Estes e outros modelos de raciocínio e a sua interligação são muitas vezes as pessoas que conseguem ter sucesso, tanto a nível de negócios como académico. Daí a importância que tem na integração num plano de estudos ou num currículo escolar. Com as ferramentas que cada um destes pilares apresenta, irá conseguir a melhor decisão possível, mesmo sem toda a informação disponível e mesmo com pouca experiência na área. É essa preparação que a nós, no Gradiente, nos motiva, por sabermos que pensar melhor, é viver melhor.
Atentamente,
André
Bibliografia
[1] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6594204/
[2] https://www.encyclopediaofmath.org/index.php/Consistency
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_dos_conjuntos
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