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3 Passos Para um Mau Raciocínio

Apesar dos seres humanos serem as criaturas racionais por excelência, grande parte do tempo, por incrível que pareça, são controlados pelos seus instintos e emoções, que os levam muitas vezes a um mau raciocínio. Paradoxalmente, António Damásio diz-nos que não as devemos evitar, que as emoções fazem parte de se ser humano e guiam o pensamento. Em o Erro de Descartes, o autor discute de que modo a ausência dessa intuição pode comprometer a capacidade do indivíduo conseguir tomar até as mais simples decisões. [1]

No entanto, há certas intuições que falham completamente toda a lógica, e são dessas que queremos minimizar os efeitos. Essas intuições erróneas são conhecidas por Vieses Cognitivos (Cognitive Bias). Um viés cognitivo é algo que influencia o nosso pensamento e a nossa capacidade de tomar decisões. É deixar que as nossas preconceções da realidade influenciem o nosso raciocínio e, por consequência as conclusões a que chegamos.

Com os três vieses abaixo, garanto-lhe a oportunidade de tomar más decisões, através de um mau raciocínio. Como resultado destes três simples passos pode assegurar-se que: vai conseguir abrir falência da sua empresa, vai perder discussões com os seus amigos e que nunca acabará um sudoku.

1. Confirmation bias.

Este viés surge quando se dá mais ou somente credibilidade à informação que confirma a sua hipótese ou crença inicial e que penaliza inconscientemente a hipótese contrária. Por exemplo, o leitor considera que o consumo de café é nocivo à saúde e procura exatamente isso na internet. Vai sentir-se mais confiante nessa ideia porque o motor de busca apresenta-lhe em primeiro lugar a informação que a suporta, porque é a que coincide com o que está à procura. Isto poderá afastá-lo dos argumentos contrários que suportam que o café pode ser benéfico para a saúde, e em que condições isso acontece. Neste caso, estamos a ignorar a hipótese contrária e todos os estudos que a suportam.

Se o leitor estiver mesmo à procura de se aproximar da “verdade”, faça o contrário. Da próxima vez, procure pelos benefícios do consumo de café e preste atenção às evidências que suportam essa teoria (contrária à sua).

Café em chávena.
Beber ou não beber, eis a questão. (Beber claro)
Photo by Annie Spratt on Unsplash

O mesmo acontece com o que lê. O leitor sente-se muito mais inclinado a ler livros cujos autores partilham da sua opinião, do que os de opinião contrária. Se quiser continuar a viver numa câmara de eco, em que aquilo que pensa lhe é refletido de volta, poderá manter-se aí. Continuará com ideias polarizadas numa certa direção e não aprenderá nada de novo. Por outro lado, se quiser estar sempre a aprender, a desafiar aquilo que assume que é verdadeiro e que nunca questionou, tem de mudar. E essa mudança tem de começar pelo próprio leitor, não deverá vir do exterior.

Não espere que sejam os media a darem-lhe os dois lados do argumento e a fornecerem-lhe toda a informação em estado puro que necessita para tirar as suas conclusões. Tanto os media tradicionais como aquilo que se propaga nas redes sociais é tendencialmente uma visão distorcida da realidade. Por isso, se não fizer o esforço de evitar em excesso essas fontes, apenas contará com elas para o encaminhar num mau raciocínio.

2. Selection Bias

Certamente o leitor já se cruzou com vídeos ou artigos que prometem revelar os “5 hábitos das pessoas bem-sucedidas”. Este é um exemplo simples de selection bias. Este viés ocorre quando estamos a tirar conclusões das tendências sobre um grupo que não é suficientemente diverso. Neste caso, analisaram-se as pessoas que já eram bem-sucedidas e procuraram-se os hábitos que tinham em comum. No entanto, descartam-se muitas vezes as pessoas menos bem-sucedidas, que pudessem ter esses hábitos também. Todas as pessoas bem-sucedidas têm o hábito de respirar. Bem como todas as restantes que se mantêm vivas. Este é um exemplo um pouco absurdo, mas permite perceber como facilmente se podem confundir estes conceitos e achar que é suficiente imitar esses hábitos e esperar tornar-se bem-sucedido, como que por magia.

3. Correlação vs. Causalidade

Este é um dos vieses cognitivos mais frequentes e com mais impacto negativo. Existem vários exemplos clássicos que ilustram esta diferença. Sabia que existe uma correlação de aproximadamente 90% entre o consumo de manteiga por pessoa, e a taxa de divórcios no estado do Maine nos Estados-Unidos?

Taxa de divórcios correlacionado com o consumo de margarina.
Tyler Vigen/“Spurious Connections”/(CC BY 4.0)

No entanto, serão estes dados suficientes para concluir que ter manteiga em casa faz o seu casamento estar em maior risco de acabar? Provavelmente não. Neste caso, o exemplo é óbvio. Conseguimos ver que um evento não é a causa do outro porque é extremamente difícil de explicar como é que um pode ser influenciado pelo outro. Por outro lado, se fossem variáveis que estivéssemos a ponderar uma relação de causalidade e obtivéssemos semelhantes resultados, provavelmente concluiríamos que tinham uma relação causal. O que poderia não ser verdade.

Manteiga com pão.
Comece a pensar com que metade da sandes quer ficar depois do divórcio.
Photo by Jude Infantini on Unsplash

Para conseguir distinguir correlação e causalidade (numericamente), são necessários alguns conhecimentos de estatística e alguns cálculos matemáticos pelo caminho. Mesmo sem todas as contas, o leitor ainda tem muito a ganhar ao estar atento a este enviesamento. Da próxima vez, se alguém lhe mostrar uma correlação disfarçada de causalidade, seja bastante rigoroso com argumentos usados para explicar essa causalidade antes de tirar as suas conclusões.

Notas finais

Como discutido em artigos anteriores, a filosofia pode ensinar-nos a ter um pensamento mais rigoroso. Além disso, ajuda a evitar vícios de raciocínio – ou minimizar os seus efeitos – que o impedem de ver o mundo de um modo mais neutro. Este processo de tirar conclusões por nós próprios não é fácil. Mesmo inconscientemente estamos sempre a raciocinar com hipóteses altamente enviesadas [2] e é necessário um grande esforço para conseguir ganhar novos hábitos de pensamento.

Grande parte do seu sucesso académico e profissional vai depender da sua capacidade de construir modelos conceptuais sobre a realidade. Então, é importante conseguir raciocinar eficazmente com a informação que lhe é transmitida – que nem sempre é a ideal – conseguindo articular e questionar aquilo que pretende saber e aprender. Estas meta-habilidades serão cruciais tanto na sua vida profissional como na vida académica. Talvez seja ainda mais importante do que praticamente tudo o que tiver estudado em todos os seus anos de escolaridade. É este tipo de pensamento e abordagem que vai permitir com que consiga resolver problemas complexos no domínio do seu trabalho – qualquer esse que seja. Vai fazer com que consiga decidir melhor, decidir adotando uma estratégia e não apenas aquilo que “suaviza” o problema no imediato. Em última análise, evitar um mau raciocínio.

Atentamente,
André

Referências:
[1] – Damasio, A. R. (1994). Descartes error: emotion, reason and the human brain.
[2] – Kahneman, D. (2011). Thinking, fast and slow.

Revisto por: Martim
Imagem Destaque: Photo by Annie Spratt on Unsplash